O artista russo Constantin Stanislavski cunhou o termo FÉ CÊNICA no teatro, que significa “a capacidade do ator de acreditar tanto na ficção que chega ao ponto de convencer a plateia de que aquele universo ficcional é uma realidade para a personagem, com gestos e movimentos que torna verossímil a sua interpretação”.
Eu teria várias histórias para contar para vocês, mas hoje falarei sobre o Arthur (nome fictício, para preservar a identidade desse, que é um caso real).
Conheci o Arthur na empresa que trabalhamos juntos. Já tinha ouvido falar do Arthur, mas ainda não tinha tido a oportunidade de conhecê-lo. Até que um dia, essa chance apareceu e ele me contou um pouco sobre a sua história: sofreu abandono paterno desde a gravidez, viveu sempre com dificuldades financeiras com a mãe, comprou um carro usado com o valor dos tickets que a empresa fornecia e levava marmita todos os dias (comia na mesa de trabalho). Tinha começado como estagiário e logo depois foi contratado. Era um cargo operacional, não ganhava muito, mas curtia o que fazia. Tinha um brilho diferente no olhar, uma vontade de fazer mais, de ter mais significado. Mas ele não me disse, eu que percebi. Na época, ele nem percebia que sentia tudo isso. Eu sim.
A partir daí passei a acompanhar o Arthur. Perguntava para a sua liderança e seus colegas como ele era e escutava o que ele também passou a me contar sobre o seu dia a dia. Era uma época em que ele ia se formar na faculdade e eu resolvi ajudá-lo a elaborar o seu TCC. Com isso, apresentei-o a algumas pessoas que não o conheciam na empresa e comecei a incentivá- lo a se desafiar.
Um dia, surgiu uma vaga para o mesmo cargo, mas em outro setor e com atividades bem distintas às que ele fazia. Exigia um perfil mais voltado para relacionamento, exposição e, eu não contei antes, mas Arthur era tímido. Era uma timidez misturada com uma insegurança proveniente de uma relativa baixa autoestima, o que lhe gerava pouca confiança em si. Foi aí que eu falei da vaga e disse que ele era perfeito para aquele papel! Meio desconfiado, ele nãoentendia como seria possível se encaixar naquele perfil e eu só dizia “eu vejo coisas que você não vê. Vai!”.
Arthur passou no processo seletivo e, informalmente, passei a ser uma espécie de mentora da sua caminhada. Toda vez que ele achava que tinha alguma dificuldade ou obstáculo, eu incentivava que ele seguisse em frente e fizesse mais do que o esperado. Um processo que precisava ser revisto, virava uma ideia inovadora e, consequentemente, um projeto. E assim Arthur ia seguindo traçando os seus passos, sendo desafiado, sendo reconhecido eacreditando mais em si. Diversas vezes ele me disse: “Você acredita mais em mim do que eu mesmo”. E eu respondia que sim, mas que isso um dia seria diferente.
Um dia eu saí da empresa. Durante um tempo seguimos aquela mentoria à distância e Arthur passou a enxergar o que há muito tempo eu via. Sem mais delongas, um pouco depois Arthur foi promovido e hoje é um dos principais protagonistas do setor em que atua.
Lá atrás eu tive fé cênica no Arthur. Para que no futuro ele mesmo tivesse. O que fez com que a sua liderança, seus colegas e a empresa também tivessem, o que lhe proporcionou reconhecimento. Tenho certeza que hoje Arthur entende o seu valor. Hoje ele percebe que é especial, acredita no seu potencial e inspira quem está ao seu redor. E não só o seu valor no trabalho, mas naquele às vezes difícil contexto familiar, na sua roda de amigos e nas suas escolhas e decisões.
A gente precisa ter mais fé cênica nas pessoas, nos projetos, nas ideias, nos sonhos. A gente precisa ter mais capacidade de acreditar tanto em algo ou em alguém até fazer virar uma história de verdade. A gente precisa valorizar mais os pontos fortes, torná-los ainda mais positivos e massivos a ponto de gerar um propósito transformador.
A gente precisa acordar todos os dias com vontade de fazer a diferença. A gente precisa viver com entusiasmo de causar impactos, de gerar mudanças. A gente deve crer que é possível. A gente pode tornar a vida e nosso papel nessa sociedade mais significativos. A gente precisa ter mais fé cênica. Nos Arthurs. Em nós. Nos outros. Nesse país.
Paulinha Morel - Hacker Fourge
"Minha pegada sempre foi a de olhar para as pessoas (e suas diversidades) e potencializar o que há de melhor nelas, para que encontrem seu Ikigai e sejam mais felizes e realizadas, principalmente quanto TIME!" #cultura
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